O Brasil vive um momento de grande ambiguidade no que diz respeito a como a inovação tem sido desenvolvida. Se considerarmos as tradicionais “hélices” que a movem (a saber: governo, empresa e sociedade), vemos grandes diferenças no esforço despendido, e este desequilíbrio tem efeitos claros no nosso posicionamento e potencial desempenho em um mundo que está escrevendo as novas regras do jogo. Não é à toa que o país ocupa hoje a 57ª posição no Índice Global de Inovação.
Empresas e sociedade estão desempenhando um importante papel em manter a inovação no Brasil, isso acontece por enfrentar um processo de transformação digital que não deixa outra alternativa. Por outro lado, uma forte entropia governamental impede que as estruturas, políticas e investimentos inteligentes avancem, e em muitos casos um retrocesso foi gerado.
Apesar de tudo isso, a visão para 2022 não é pessimista. O pior já passou nos últimos 2 anos de pandemia. Aprendemos muito sobre como fazer e o potencial de geração de valor que a inovação tem. Isso é claramente sinalizado pela pesquisa da CNI, através da Mobilização Empresarial para a Inovação, que aponta que 71% das empresas de grande e médio porte consideram a inovação muito importante ou importante. Mais do que isso, 61% das grandes empresas possuem pessoas dedicadas à inovação e 45% possuem orçamento, dois elementos que registram o ganho de comprometimento com a inovação.
Para entender como essa dinâmica da tríplice hélice pode impactar as tendências de inovação por aqui, vamos falar do que vem direcionando a inovação no mundo e, consequentemente, no Brasil, além dos desafios nestes contextos selecionados e o que podemos esperar pela frente.
Transformação Digital e Indústria 4.0
Digitalização de processos, presença digital, modelos de negócios escaláveis, sistemas produtivos inteligentes e autônomos. As empresas aprenderam os jargões, a direção e estão buscando soluções para se transformarem. Entretanto, o processo efetivo envolve a quebra de muitos paradigmas de gestão e comportamento: ter todas as informações na nuvem, por exemplo, é um viabilizador para criação de estruturas modulares e focadas em micro-serviços que possibilitam ganho de agilidade, pela redução da complexidade organizacional. Tanto a gestão das informações, quanto as mudanças em estruturas e processos, são radicalmente diferentes do que vem sendo feito, e muitas empresas se tornam incapazes de tomar decisões.
Este sistema tem sido conduzido de forma limitada, pouco sistemática e pouco humanizada. A saúde mental se torna um desafio ainda maior, já que as pessoas extremamente pressionadas pelo desempenho e pela pandemia são pobremente preparadas para trabalhar de uma nova forma.
Ainda vale dizer que temos consumidores que em 2 anos aprenderam a fazer quase tudo de forma digital, novas necessidades foram criadas assim como novos níveis de exigência. Entender essas necessidades, transformar em processos, produtos, serviços adequados e totalmente focados nessas demandas é um pilar central da transformação digital em sua busca por modelos escaláveis.
O que podemos esperar deste contexto de inovação em 2022?
- Busca por novos modelos de estrutura organizacional.
- Novos modelos e processos mais centrados no cliente.
- Reskilling e Upskilling em todos os níveis da empresa.
- Saúde Mental em pauta no contexto da inovação e das empresas em geral, e novas soluções associadas a esta demanda.
- Desafios de engajamento e colaboração.
- Novas profissões e funções.
- Disputa de talentos com outros países para posições remotas.
- Atraso em decisões de inovação (entre outras) geradas por mudanças de estrutura, time e governança.
Com tantos desafios, as lideranças precisam orquestrar uma rede de ajuda e ações, que tornem o processo de transformação mais sistemático e rápido. Temas como cultura e o papel estratégico da gestão de pessoas deixam de ser intangíveis e passam a ser viabilizadores ou detratores claros do processo.
Meio Ambiente e Impacto
Grandes organizações e investidores globais estão cada vez mais comprometidos com caminhos que viabilizem a continuidade da vida humana no planeta. Um survey de 2020 da Global Impact Investing Network aponta um crescimento do investimento de impacto na América Latina e Caribe de 47% nos últimos anos. Esse tipo de interesse reverberou em empresas tradicionais por meio da pauta ESG. Assim, o impacto positivo sócio-ambiental se tornou um contexto de desenvolvimento de inovação fundamental na atualidade. Alguns desafios importantes são a medição e contabilização financeira do impacto, redução do custo de tecnologias limpas e a maturidade do ecossistema de inovação socioambiental ainda incipiente no Brasil.
O que podemos esperar deste contexto de inovação em 2022?
- Aparecimento de novas e mais acessíveis soluções para geração de energia.
- Amadurecimento do mercado de créditos de carbono e carbontechs.
- Novas soluções para economia regenerativa sendo investidas.
- Novas soluções para processos e resíduos industriais sendo testados.
Web 3.0 e Blockchain
Apesar de não ter um dono, a internet é dominada por grandes empresas, como Facebook e Google, que estabeleceram e ditaram as regras do jogo até aqui. Governos e sociedade nos últimos anos entenderam como os direcionadores destes negócios baseados em engajamento podem trazer prejuízos sociais tão importantes que merecem uma regulação clara.
A Web 3.0 é um conceito que prevê uma internet mais segura, descentralizada, aberta, confiável, sendo estes elementos refletidos nos modelos de negócios. Aqui tudo está em discussão, tudo pode ser repensado e, o que não funciona, deixado para trás. Se o problema é uma relação obsoleta de trabalho (patrão-empregado), torna-se fácil criar formas de todos participarem do negócio. Neste contexto, estamos incubando uma tecnologia “feroz” em seu potencial de transformação mercadológica e social, a blockchain.
Um dos usos mais conhecidos é a criação de criptomoedas, como o Bitcoin, e mais recentemente Tokens não Fungíveis (NFT). As criptomoedas têm tido um valor predominantemente especulativo, mas esperamos ver isso mudar com o nascimento de bons negócios em mercados tangíveis nos próximos anos.
O que podemos esperar deste contexto de inovação em 2022?
- Nova onda de startups explorando mercados em nascimento.
- Ambientes de metaverso em “disputa”.
- Negócios de Cripto gerando valor tangível/ não especulativo.
- Novos serviços financeiros.
- Novas regulamentações buscando segurança e responsabilização dos usuários.
- Tecnologias e oportunidades para o varejo.
Transversais
Além destes ambientes que vêm direcionando ou aquecendo o desenvolvimento tecnológico e de inovações, vale mencionar a Biotecnologia e a Inteligência Artificial como destaque nos próximos anos pelo momento histórico e impacto que poderão trazer.
O desenvolvimento em tempo recorde com uma nova tecnologia (RNA mensageiro) da vacina do COVID-19 abre caminho para replicar o uso em outras doenças, e é um bom exemplo de como a biotecnologia está em um momento promissor. A inteligência artificial, igualmente, tem entrado em nossas vidas através de gadgets como a Alexia, diagnósticos médicos ou da geração de recomendações de decisões de negócio. O que ambas têm em comum é o desafio de estabelecer uma atuação ética. A discussão ética tem sido um elemento fundamental para viabilização e sustentabilidade de novos e disruptivos negócios.
Outra transversal importante é o ambiente político e econômico. Em um momento de transformações tão intensas, os governos precisam estar prontos a aprender, posicionar, e legislar com agilidade. Esta demanda poderá fazer surgir novas lideranças políticas, inclusive, que saibam navegar melhor em um mundo extremamente transformado.
Se apropriar das mudanças
A cada doze a dezoito meses os computadores dobram suas capacidades, assim como as tecnologias de informação que os utilizam, e esse fato é um grande propulsor de outras tecnologias e das transformações que elas têm gerado no mundo.
Nos últimos anos fomos capazes de perceber uma aceleração das mudanças geradas pelo avanço de novas tecnologias, e denominamos o mundo como VUCA ou BANI para descrever a relação que começamos a estabelecer com ele. Essas tendências nem chegam a ser a ponta do iceberg de todas as transformações que estão pela frente, e o que podemos fazer, é entender as grandes mudanças de paradigma, sermos intencionais em nossa seleção própria da tecnologia que fazemos uso (como líderes empresariais, governamentais ou consumidores) e aprender a viver com menos regras claras. A transformação é a nova regra, mas ela não precisa ser ansiogênica e pode trazer grandes oportunidades. Em 2022 precisamos descrever melhor os cenários positivos que queremos, como humanidade, construir por meio da tecnologia.
*Artigo publicado originalmente no blog da Troposlab.
Sobre a Troposlab
A Troposlab é uma empresa especializada em inovação, que desenha programas customizados de transformação cultural, jornada de desenvolvimento do comportamento empreendedor, interação com startups e intraempreendedorismo para empresas de diversos setores. São mais de 1.000 startups aceleradas e 400 projetos inovadores internos desenvolvidos em empresas desde a sua fundação, em 2012.
Tem como sócia-fundadora Renata Horta, que é também membro do Conselho Empresarial de Inovação e Indústria Criativa da ACMinas.